Investigadora BRU-Iscte
Business Research Unit
Que tipo de atividades têm decorrido neste living lab, integrado no projeto Synclusive?
Como o nome indica, um living lab é um espaço vivo, que agrega um conjunto de relações entre os diferentes skateholders associados à área do emprego: câmaras municipais, associações empresariais, empresas de recrutamento e seleção, Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP)… Desenhámos um plano de ação e, juntamente com os nossos parceiros, fizemos várias intervenções que ajudam os jovens a desenvolverem os seus conhecimentos e as suas competências. Fizemos, por exemplo, um curso de Microsoft Excel e outro de impressão 3D, que teve muita adesão.
Em Portugal, não existe apenas este living lab?
Não, existem também mais três living labs. Os restantes países onde o Synclusive está a decorrer – Bulgária, Países Baixos e Finlândia – têm apenas um, mas aqui eu decidi estender os living labs a várias regiões do País.
E porque é que, no caso português, orientou o projeto para o emprego jovem?
Cada país concentrou-se naquilo que é a sua maior necessidade. A Bulgária escolheu as mulheres com mais de 50 anos; os Países Baixos e a Finlândia preferiram os desempregados de longa duração. Quando escolhi, pensei sobretudo na complexidade do problema que temos em Portugal com os jovens. Mesmo o programa Garantia Jovem tem muita dificuldade em chegar até eles e sobretudo em mantê-los integrados…
Não conseguem envolvê-los, é isso?
É complicado… No princípio, tivemos muitas dificuldades, tivemos que ajustar a estratégia. Fizemos uns folhetos, todos bonitinhos, concretizámos uma parceria com o Garantia Jovem e com uma série de juntas de freguesia. Conseguimos constituir uma turma de 30, mas no primeiro dia… só apareceram cinco. No IEFP, é a mesma coisa: os jovens inscrevem-se e depois não aparecem.
Onde é que a dinâmica falha, então?
Foi o que tentámos entender, é preciso perceber como conseguimos motivá-los, mantê-los nos programas. Começámos a estabelecer parcerias com escolas secundárias, onde há muitos jovens que querem ir para a universidade, mas onde também existem muitos outros que não querem continuar a estudar. Fizemos uma parceria com escolas de referência, com aquelas que têm jovens com maiores vulnerabilidades económicas, sociais e familiares. Aliámo-nos aos professores e temos estado a trabalhar com o seu apoio, antes de os jovens desaparecerem.
No final do ensino obrigatório dispersam?
Aí já é muito mais difícil… Temos que perceber para onde é que os jovens vão, o que é que eles estão a fazer. Identificámos os mecanismos para fazer esta aproximação, redigimos documentos de políticas públicas com recomendações, integrámos um módulo de mentoria no curso Jovem Mais Digital e já fizemos duas experiências na Amadora. Estamos a tentar perceber o que é que estes jovens vão fazer a seguir, que competências desenvolveram, que aspirações têm em relação ao futuro. E também temos ajudado na integração no mercado de trabalho.
Já há resultados?
Nesse momento, conseguimos integrar no mercado de trabalho um total de 13 jovens. E temos outros quatro em mobilidade para funções de maior responsabilidade, incluindo com salários mais elevados. Claro que eu gostaria que os números ainda fossem maiores, mas a verdade é que estamos muito contentes. Nenhum dos outros países chegou a valores destes: conseguimos formar 304 jovens. De tal maneira que a Comissão Europeia vai considerar o nosso projeto uma boa prática. Soubemo-lo há pouco e ficámos muito satisfeitos, porque tem sido um trabalho enorme, com muitos obstáculos. Estabelecemos uma rede, falei com a Câmara Municipal de Lagoa para o Algarve, falei com o Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia… Vencemos as dificuldades.
Como nasceu o Synclusive?
Nasceu de um convite do professor Steven Dhondt, da Universidade de Tilburg, nos Países Baixos, com quem trabalhei há alguns anos. A TNO, uma empresa na área da inovação e da investigação, queria desenvolver vários living labs na Europa e, em 2021, começámos a preparar a candidatura. Trata-se de um projeto da ordem dos três milhões de euros, divididos pelos vários parceiros. Naturalmente que a Comissão Europeia quer saber que dinheiro está a gastar, se tem sido bem empregue, se tem impacto, se produz resultados…
Os “vulneráveis”, em Portugal, são muito diferentes dos “vulneráveis” dos outros países europeus?
O que vemos no nosso mercado de trabalho não é assim tão distinto do que observamos nos restantes países europeus. O que as nossas empresas precisam é de pessoas qualificadas, pessoas com potencial para se manterem no mercado de trabalho. Muitas das nossas pequenas e médias empresas vivem no limiar da sobrevivência e, efetivamente, os “vulneráveis” não estão no seu radar. Existem algumas políticas públicas para inserir pessoas com deficiência, mas de uma maneira geral essa não é a visão das nossas empresas. Os vulneráveis continuarão, assim, a ser cada vez mais vulneráveis. E depois também temos uma panóplia de subsídios que motiva um pouco este statu quo.
Há a tendência para resolver esse problema com prestações sociais?
O que acontece é que os jovens não vêm à formação porque não estão motivados para tal, nem sequer aparecem na primeira sessão. Têm outras coisas para fazer, recebem subsídios e, de alguma maneira, pensam que isto não vai mudar nada as suas vidas. Julgo que existe um hiato entre o tecido empresarial, as políticas públicas e todos os grupos de vulneráveis. É preciso repensar esta questão. A Comissão Europeia está atenta e, por isso, também investe nestes projetos, quer saber o que se passa em cada um dos países. As políticas públicas estão, efetivamente, a dar resposta às necessidades? Estive agora em Bruxelas, com o DG Employment, Social Affairs & Inclusion e eles assumem mesmo que têm como objetivo reduzir o empobrecimento até 2050 e daí quererem definir um conjunto de políticas públicas direcionadas para os grupos mais desfavorecidos.
Consegue caracterizar esses jovens vulneráveis?
São sobretudo jovens que saem da escola muito cedo, que não terminam o ensino obrigatório. Não têm conhecimentos nem competências suficientes para entrar no mercado de trabalho. Existem, claro, algumas funções que eles podem desempenhar, as empresas aceitam alguns, mas são empregos muito precários, até sazonais. Muitas vezes, também são jovens com contextos familiares muito difíceis, sem grandes objetivos nem motivações. Vulneráveis, em suma, são todos aqueles que não têm um valor acrescentado para dar ao mercado de trabalho e à sociedade.
Já alcançaram os objetivos, mas o projeto dura até 2027. O que se segue?
Neste momento, estamos sensivelmente a 60% do projeto, sendo que a maioria das intervenções já foram realizadas. Estamos a terminar as intervenções em Lagoa e, agora, estamos muito focados nas do Alentejo; em Lisboa, ainda vamos tentar fazer mais uma ou duas. Mas não vamos parar: esperamos chegar ainda a mais jovens, continuar com esta bola de neve. Espero mudar um bocadinho, sei que não vamos conseguir…
Mudar o mundo?
Não, isso não, mas se conseguirmos chegar às pessoas… O mais importante é conseguirmos mudar a vida de algumas pessoas.
Na investigação, é isso que a move?
Sim, a minha investigação não é teórica, gosto de ver o resultado do que faço. Não quer dizer que não exista uma componente teórica… Mas gosto de ação, e gosto que os meus projetos tenham essa componente de ação, de implementação no mundo real.
Ficará feliz se saírem daqui algumas pessoas um pouco menos vulneráveis?
Sem dúvida, isso é aliás o fundamental. Que consigam ter um objetivo, precisam de ter objetivos na vida, perceber que a vida deles pode mudar. Não têm que se resignar, podem avançar. Nasci numa aldeia de 200 habitantes, Vila Azedo, a sete quilómetros de Beja. Quase todas as minhas amigas de infância ficaram na região, têm um emprego, saem de casa às nove da manhã e regressam ao fim do dia. Eu não sou assim…
Com que idade saiu do Alentejo?
Tinha 19 anos quando terminei o ensino secundário, em Beja. Não sabia o que fazer da vida… Fui para Suíça fazer babysitting e, quando vim nas férias da Páscoa, inscrevi-me num curso de informática, no Instituto Português da Juventude. Estive em Lisboa a fazer o curso durante seis meses e nunca mais voltei para a Suíça. Depois do curso, fui para Rio Maior e montei um centro de formação na Casa do Povo. Dava aulas aos diretores dos bancos de Rio Maior, eles olhavam para mim e eu era uma miúda [risos]… Estávamos nos primórdios da informática, tinha 24 anos e nunca tinha tido contacto com a informática! O Alentejo está sempre no meu coração, vou lá todos os meses. Mas a minha estrutura de pensamento é outra, não sei onde a adquiri, talvez seja a visão que temos do mundo, a visão que temos da nossa vida. Não nos podemos resignar, precisamos de seguir o nosso caminho, temos um mundo de oportunidades pela frente.