Investigadora CIES-Iscte
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
O QUALREP (Quality of Diverse Women's Political Representation) é um projeto para cinco anos em cinco países – Portugal, Bélgica, Polónia e Suécia e Reino Unido. Que novo desafio contém?
Houve avanços muito significativos em termos de representação política das mulheres, embora elas continuem a estar representadas de forma mais “pobre”, tanto em democracias jovens como em democracias consolidadas. Para além disso, está na altura de olharmos para a qualidade da representação de todas as mulheres. Verifica-se, por exemplo, que a representação das mulheres marginalizadas é feita de forma muito deficitária, quer enquanto atores políticos, quer no que respeita à inclusão dos seus interesses e necessidades nas agendas políticas.
E qual é a ideia do projeto?
A ideia é analisar as mulheres na sua diversidade plena, seguindo uma abordagem intersecional, ou seja, tendo em conta várias das suas características que, quando combinadas, aumentam o grau de marginalização. Estamos a falar de etnia, religião, pobreza, origem geográfica (ser ou não imigrante) e questões relacionadas com identidade sexual ou com orientação sexual. O desafio é responder à sua grande questão: “em que condições as mulheres estão bem representadas na e através da democracia representativa?”.
O QUALREP quer também operacionalizar conceitos de representação de género em novos moldes. Pode explicar melhor?
Sim, o projeto propõe uma nova operacionalização do conceito de representação, que agrega as suas várias dimensões. Muitas vezes, as pesquisas que analisam a representação política de género de forma conceptual, ou que utilizam metodologias qualitativas ou quantitativas, não dialogam umas com as outras, não interagem. Este projeto pretende reunir todas essas dimensões da representação, de modo a captar a qualidade da representação política das mulheres de forma abrangente. A liderança é das duas investigadoras principais, ambas no Reino Unido, a Rosie Campbell, do King's College London, e a Sarah Childs, da Universidade de Edimburgo, altamente conceituadas nestas temáticas.
Como é que o Iscte entrou?
A Rosie Campbell, com quem já tinha trabalhado, convidou-me para liderar o caso português. Aceitei de imediato e colaborei na conceção do projeto. Conheci-a através da minha coorientadora de doutoramento, a Joni Lovenduski, que foi professora no King's College London (agora está reformada).
Em que fase se encontram?
Neste momento [outubro de 2025], estamos no work package 2, focado na compreensão das preferências e participação política das mulheres na sua diversidade. Estamos a olhar para sondagens e bases de dados que já existem e faremos uma análise sistemática de questões que dizem respeito à representação política das mulheres, e de que maneira elas se sentem representadas. O problema dessas sondagens ou inquéritos feitos à população – o European Social Survey ou outros – é que os grupos que nos interessam particularmente neste projeto não estão representados ou são uma percentagem residual. Numa fase posterior, iremos aplicar as nossas próprias sondagens, aumentando o tamanho da amostra de mulheres marginalizadas, com o objetivo de compreender como e quando essas mulheres se sentem representadas.
Do ponto de vista metodológico, qual a inovação na investigação?
A ideia é recorrer tanto a métodos qualitativos como quantitativos. Na colaboração que temos com organizações que reivindicam direitos e interesses de mulheres, vale a pena destacar que se vai trabalhar com diários digitais. Ou seja, pretende-se que haja uma ou duas pessoas que, numa organização, vão descrevendo o seu dia a dia com imagens, notas, pensamentos, e vão fazê-lo durante cerca de um mês. Esse registo será feito via um sistema análogo ao WhatsApp. Serão os tais diários digitais, com as narrativas da ação de uma pessoa enquanto membro de determinada organização.
Que objetivos do projeto destaca?
A ideia é criar recomendações a partir do contexto em que as coisas estão a funcionar bem ou onde estão a funcionar mal. Uma das respostas que procuramos, por exemplo, é saber “de que forma as organizações fortalecem a boa representação das mulheres marginalizadas”, mas também saber “quais as práticas e mecanismos que maximizam a boa representação das mulheres na sua diversidade”. O terceiro objetivo passa por identificar “que melhorias são necessárias para haver uma boa representação das mulheres na sua diversidade interseccional e ideológica”. No total há cinco questões que nos propomos trabalhar, mas estas três são as principais.
Que pistas conseguiram já retirar da investigação?
Neste último ano, desenvolvemos um mapeamento das organizações que reivindicam direitos e interesses de mulheres em cada um dos países. Definimos cinco temas-chave que consideramos relevantes para analisar a representação das mulheres de forma interseccional nos cinco países: feminicídio, saúde materna e violência obstétrica, direitos políticos e legais de mulheres marginalizadas, prostituição/trabalho sexual e pobreza e, em fases posteriores, iremos trabalhar com organizações que atuam nestas áreas para percebermos de que forma é que as organizações de mulheres fortalecem a boa representação de mulheres marginalizadas.
E no contexto português?
No contexto português, já estudámos também os cinco temas do projeto e recolhemos informação sobre o ativismo desenvolvido nestas áreas. Identificámos várias organizações que praticam um ativismo interseccional e desenvolvem um trabalho fundamental, por exemplo, no combate ao racismo obstétrico, embora ainda pouco reconhecido pela sociedade em geral e com dificuldade em chegar ao debate público.
Também pudemos investigar a história dos movimentos e organizações de mulheres e verificámos que, apesar de várias conquistas importantes (quotas de género, despenalização do aborto, prevenção da violência doméstica e sexual, entre outros), o movimento de mulheres continua a ser frágil do ponto de vista financeiro e institucional. Esses constrangimentos ficaram evidentes no nosso mapeamento: identificámos 104 organizações em Portugal, a grande maioria sediada em Lisboa, o que revela uma forte centralização geográfica.
Quatro work packages, a concretizar até 2028
1. Identificar as reivindicações de direitos das mulheres, bem como os grupos e organizações que lutam pelas mesmas. Vai ser realizado um mapeamento das organizações de cada país, utilizando análise de conteúdo de websites, documentos oficiais, redes sociais, e entrevistas com organizações e ativistas.
2. Identificar como as mulheres, e particularmente mulheres marginalizadas, percecionam o seu interesse, participação e representação política, e o papel das organizações em melhorar a qualidade dos mesmos. Serão realizados inquéritos e análises secundárias de bases de dados e identificadas organizações parceiras.
3. Análise das respostas aos debates de representação política feminina, investigando a maneira como os atores políticos reconhecem representar as mulheres (particularmente mulheres marginalizadas) e os seus assuntos. Serão realizadas análises quantitativas e qualitativas de documentos, discursos e redes sociais de atores políticos, e inquéritos que exploram as situações nas quais as mulheres se sentem bem representadas.
4. Estabelecer a criação de uma agenda para investigação futura e fomento de melhores práticas democráticas. Serão testados novos inquéritos com um foco em políticas de inclusão de mulheres marginalizadas, e serão elaboradas recomendações para partidos políticos, legislaturas e representantes, de criação de práticas democráticas que incluam a representação de mulheres em todas as suas diversidades.
No final dos cinco anos do projeto, o que se espera que saia deste trabalho?
Sairão, certamente, muitas publicações académicas. Estamos todas muito empenhadas nisso. Haverá também a produção de recomendações que influenciem as políticas públicas e um trabalho realizado com stakeholders, para garantir que essas recomendações venham a ter impacto.
No fundo, perceber como e quando as mulheres estão bem representadas na sua diversidade plena é necessário para ajudar a sustentar a vontade política de combater ideias e práticas antidemocráticas e contrárias à igualdade de género.