MAIS CIÊNCIA

Mais ciência para mais inovação


Reitora Maria de Lurdes Rodrigues


MARIA DE LURDES RODRIGUES

Reitora



Homenagem a José Mariano Gago


No momento em que publicamos mais um número da EntreCampus, revista dedicada à divulgação dos projetos de investigação desenvolvidos por docentes e investigadores integrados nas unidades de investigação do Iscte, muitos consideram que paira uma ameaça sobre o desenvolvimento da ciência, resultante de uma reforma anunciada pelos decisores políticos.

A reforma anunciada baseia-se num propósito: é tempo de colocar a ciência ao serviço da inovação, ao serviço do crescimento económico do País e do aumento da produtividade.

Assim, com o objetivo de enfrentar os problemas do crescimento económico, foi lançada uma reforma dos setores da ciência e da inovação, assente na fusão das duas únicas agências de financiamento do sistema científico nacional: a Agência Nacional de Inovação, orientada para a gestão e financiamento da inovação e dos projetos de investigação em consórcio com empresas, e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, cuja missão é centrada na avaliação, promoção e financiamento das unidades. Com esta operação, a ciência e as decisões sobre a sua avaliação, organização e o seu financiamento passariam a estar dependentes de uma tripla tutela política Ciência, Economia e Finanças. Tal propósito suscita perplexidades e preocupações plenamente justificadas.

Estamos em 2025. Passaram 30 anos sobre a criação do Ministério da Ciência e da Fundação para a Ciência e Tecnologia, dois instrumentos muito importantes na concretização da política científica que sustentaram o desenvolvimento do sistema científico no nosso País. Permitiram a afirmação de uma tutela setorial e um de financiamento da Ciência autónomo e diferenciado de todas as outras áreas de intervenção política do Estado, designadamente da Economia, do Planeamento e do Território. Foram 30 anos de desenvolvimento inegável, com equilíbrio das diferentes áreas científicas.

A pressa e a impaciência. Os decisores políticos foram tomados pela pressa e pela impaciência com os resultados da ciência, com a transferência de conhecimento para a economia, responsabilizando os investigadores pela demora nessa transferência, pelas dificuldades do desenvolvimento económico do País, pelo facto de Portugal se apresentar, nas comparações internacionais, como Inovador Moderado. Parece esquecido o objetivo estratégico que tem norteado o desenvolvimento do sistema científico ganhar escala e capacidade de execução, continuar a formar doutorados, construir e renovar as infraestruturas de produção de conhecimento e informação, alcançar a meta de financiamento público e privado, 3% sobre o PIB.

Volta a fazer caminho a ideia antiga que exige à ciência utilidade imediata. O financiamento em ciência teria assim de ser avaliado em função do seu retorno económico. Ora, foi mesmo contra estas ideias que o sistema científico se desenvolveu e consolidou em Portugal. E, já agora, que a economia acelerou a sua modernização, tirando partido da maior produção científica de conhecimento que resultou do desenvolvimento autónomo da ciência. O eventual regresso à ideia de que a ciência deve ser movida pela utilidade dos seus resultados terá os mesmos efeitos que no passado: atrofia da ciência e menos conhecimento novo para alimentar a inovação e a economia.

A produção de conhecimento, saber e informação deve ser uma finalidade em si mesma. O que distingue a atividade científica é justamente a produção de conhecimento que não se sabe para que serve, ou que produtos, processos ou inovações podem com ele ser desenvolvidos. Como referia Abraham Flexner, que fundou e presidiu ao Instituto de Estudos Avançados de Princeton, num célebre ensaio sobre a utilidade do conhecimento inútil (The usefulness of useless knowledge), publicado em 1939, “em toda a história da ciência a maior parte das grandes descobertas, que depois se revelariam benéficas para a humanidade, [foram] feitas por homens e mulheres motivados não pelo desejo de serem úteis, mas simplesmente pelo desejo de satisfazer a sua curiosidade”.

Sabe-se hoje que o desenvolvimento das economias depende muito fortemente da sua capacidade de inovação; sabe-se também que não há inovação sem ciência, sendo três motores principais da inovação:

Em primeiro lugar, a difusão de conhecimento através da formação de profissionais nas mais diversas áreas disciplinares. Os principais veículos de transferência de conhecimento são os quadros técnicos superiores que, com as suas competências, contribuem para a modernização das entidades em que exercem a sua atividade profissional, sejam empresas, hospitais, escolas, universidades, entidades do setor publico ou do setor privado, na agricultura, como na indústria ou nos serviços.

Em segundo lugar, o investimento público e privado em I&D tendo em vista a meta de 3% do PIB. A capacidade de inovar na economia e na sociedade assenta na produção de conhecimento através da investigação científica, bem como na criação de mecanismos de valorização do conhecimento e da sua transferência para a economia e a sociedade.

Em terceiro lugar, a estrutura da economia e as características do tecido empresarial e empregador. Numa economia onde predominam empresas de pequena dimensão em setores tradicionais, e fracamente dependentes da I&D ou de conhecimento novo, são necessárias políticas de apoio à transformação da economia através de medidas que reforcem a capacidade de as empresas executarem os financiamentos públicos disponíveis e que estimulem a articulação entre as empresas e as instituições de ensino superior e de investigação.

Necessitamos de criar pontes entre produção científica, inovação, economia e sociedade. A produção científica deve ser alimentada pela curiosidade, ainda que essa curiosidade possa ter origens diversas: dilemas teóricos, observações banais no quotidiano, mas também problemas concretos, tecnológicos ou sociais. Ou, ainda, a curiosidade de quem aprende. Por isso as ligações entre investigação e ensino são importantes. Como também necessitamos de criar pontes entre ciência e economia que estimulem a inovação a partir das descobertas feitas para responder à curiosidade. Mas é uma armadilha, que conduz ao desperdício de recursos sem garantia de retorno científico ou económico, a exigência de que a ciência seja, por princípio, aplicada, útil e rendível.

As Ciências Sociais e as Humanidades são essenciais na construção de tais pontes, como defendeu, há 30 anos, José Mariano Gago no texto que publicamos nas páginas seguintes.

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