MEDICAMENTOS

MEDICAMENTOS QUE ADOECEM O AMBIENTE

Resolvem problemas de saúde aos humanos, mas podem ter efeitos secundários negativos para o planeta. Uma investigação da área da biologia, a que a psicologia deu novo fôlego.

MARIA LUÍSA LIMA

Docente no Departamento de Psicologia Social e das Organizações, investigadora do Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS) e presidente do Conselho Científico do Iscte

Luisa Lima, Revista Entrecampus
Luisa Lima, Revista Entrecampus.

O consumo em doses elevadas de determinados medicamentos pode ter consequências negativas para o meio ambiente, que são desconhecidos da maioria das pessoas, sendo por isso necessário criar mecanismos de alerta e controlo para essa realidade emergente.

Este foi objetivo central de um estudo conduzido por vários centros de investigação de Portugal, Espanha e França, no qual participou uma equipa do Iscte dirigida por Maria Luísa Lima. 

Nos países industrializados, cada pessoa consome entre 50 e 150 gramas de medicamentos por ano, sendo que esse consumo aumenta consideravelmente na terceira idade.

No estudo que agora terminou, apurou-se que o consumo de medicamentos pelos utilizadores de residências seniores pode atingir as 6,4 gramas por dia, ou seja, mais de 2,3 quilogramas por pessoa num ano. Entre os medicamentos mais utilizados por esta faixa etária encontram-se os analgésicos, os antiepiléticos, os antibióticos, os anticonvulsionantes, os antidiabéticos e os laxantes.

São já bem conhecidos os efeitos negativos sobre o meio ambiente que representa a dispensa dos restos destes tipos de medicamentos no lixo, sem qualquer tipo de reciclagem, pelo que existem campanhas a apelar à entrega desses restos nas farmácias.

No entanto, mais recentemente, começaram a ser conhecidos os efeitos nocivos para a natureza da libertação dos componentes químicos desses fármacos, através das fezes e da urina, humanas e animais.

Acontece que essas substâncias, libertadas nas redes de esgotos, chegam a estações de tratamento de águas e resíduos que ainda não conseguem eliminá-las totalmente, pelo que parte considerável acaba por se infiltrar nas águas subterrâneas e superficiais.

Muitos desses produtos têm impacto considerável no meio aquático, pois são disrruptores endócrinos, neurotóxicos, genotóxicos ou mutagénicos, sendo alguns persistentes e bioaculumáveis. O consumo de águas assim contaminadas representa, por isso, um perigo real para plantas e animais e, consequentemente, para a vida humana – na resistência a antibióticos, por exemplo. 

Em Portugal, estudos conduzidos pelas autoridades ambientais detetaram resíduos de antibióticos e anticoncecionais nas análises de águas de rios, mesmo perto das nascentes.

O objetivo central do projeto Innovec’EAU, financiado por fundos europeus destinados aos países do Sul, era o de elaborar um mecanismo para aperfeiçoar a depuração das águas residuais, de forma a eliminar a maior quantidade possível de vestígios de fármacos. 

Ao longo de dois anos, biólogos e outros investigadores da área das engenharias estudaram o problema e desenvolveram uma metodologia que alia o método clássico de limpeza de águas residuais através de bioreatores a uma nova técnica de foto-oxidação.

A integração na equipa de investigadores da área das ciências sociais, nomeadamente, de psicólogos, permitiu alargar o âmbito do projeto, no sentido de propor medidas na área das políticas públicas e da sensibilização da população.

Inicialmente, as equipas de psicólogos realizaram entrevistas aos utentes das residências seniores, de forma a avaliar e caraterizar os respetivos consumos de fármacos, mas igualmente a perceção que têm dos riscos desse consumo para o meio ambiente. Para o efeito, em Portugal, foram realizados estudos em três residências da rede da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 

No entanto, durante o projeto, foi sentida a necessidade de alargar o estudo a outros universos, como seja o dos profissionais de saúde e das áreas relacionadas com o ambiente, tendo sido realizadas entrevistas presenciais e inquéritos online.

Um dos objetivos, recorda Maria Luísa Lima, foi o de “avaliar a perceção de risco entre os diversos grupos. Nem sempre a ideia que fazemos dos riscos corresponde ao risco tal como ele é avaliado pelos técnicos. Por exemplo, as pessoas tendem a dar pouca importância a um risco real, como o ato de fumar, mas poderão considerar de elevado risco, a manipulação genética, que é desvalorizado por muitos técnicos. O que assusta mais as pessoas são os riscos invisíveis e que possam ter efeitos catastróficos”.

Neste caso dos resíduos de medicamentos, “a generalidade das pessoas nunca pensou no problema. Mas quando é informada considera que se trata de um enorme risco para o ambiente e para a saúde. Sentem-se em segurança, porque acham que há certamente alguém a tratar do assunto. Há como que uma confiança cega nos mecanismos de regulação da saúde e do ambiente... Ora isso não é verdade, visto que o problema só muito recentemente foi identificado, ainda não existem mecanismos generalizados para lidar com ele e a legislação específica para esta matéria é incipiente”.

Mesmo entre os profissionais de saúde, existe uma grande ignorância sobre este problema. “Os profissionais da saúde não estão minimamente sensibilizados para a poluição da água pelos resíduos de medicamentos. Os médicos nunca ouviram falar”, afirma a investigadora do Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS) do Iscte. 

Apesar da ausência de normas específicas a nível europeu, alguns países começaram a desenvolver sistemas de etiquetagem (bio label), que categorizam os medicamentos de acordo com a sua perigosidade para o meio ambiente. 

Entre as medidas sugeridas pelos investigadores encontra-se a criação de legislação, dirigida à indústria farmacêutica, mas também às entidades com responsabilidades ambientais, nomeadamente sobre etiquetagem de fármacos e análise e controlo das águas resultantes das estações de tratamento. Por outro lado, é necessário sensibilizar prescritores e consumidores para o facto de a utilização de medicamentos constituir um tema de saúde, mas também cada vez mais um problema para o ambiente.

“Trata-se de um tema delicado porque estamos a lidar com prescrições médicas, numa sociedade em que os próprios doentes esperam que os seus problemas de saúde sejam resolvidos com fármacos. Por isso mesmo, é necessário defender soluções de equilíbrio. Promover a mudança de estilos de vida como forma de promover a saúde, desincentivar a automedicação e incentivar a reciclagem de medicamentos não usados são ideias em que é necessário insistir”, defende Maria Luísa Lima.

De forma a prosseguir este estudo, a equipa que integra investigadores do Iscte pretende desenvolver um novo projeto, desta vez centrado nos profissionais de saúde e na pesquisa de formas mais sustentáveis de receitar fármacos.

Medicação, Luisa Lima, Revista Entrecampus

É necessário defender soluções de equilibrio. Promover a mudança de estilos de vida como forma de promover a saúde, desincentivar a automedicação e encentivar a reciclagem de medicamentos não usados são ideias em que é necessário insistir.

MEDIDAS PROPOSTAS PARA REDUZIR SIGNIFICATIVAMENTE A QUANTIDADE DE POLUENTES RESULTANTES DE FÁRMACOS

O projeto Innovec’EAU criou um processo para eliminar de forma mais completa os resíduos farmacêuticos nas águas residuais.

A ideia é acoplar um BioReactor de membrana (MBR) a um processo avançado de Foto-Oxidação (APOP). O MBR consiste num tanque de 20 litros cheio de microrganismos, dispondo de um circuito de recirculação com uma membrana de porosidade de 0,2 µm para libertar apenas água limpa. 

Um sistema relativamente clássico degrada as matérias orgânicas com muita eficiência e até algumas moléculas mais complexas, como produtos farmacêuticos, mas apenas parcialmente.

O APOP (tanque com 2 litros) é então adicionado para melhorar a degradação dessas moléculas recalcitrantes, uma vez que a fotocatálise é muito mais eficiente, como os estudos preliminares demonstraram. A fotocatálise é baseada na ativação de um catalisador TiO2 através de UV. Essa ativação produz moléculas muito reativas que reagem aos poluentes oxidando-os.

Uma das vantagens do APOP é a possibilidade de usar não apenas UV artificial para criar condições perfeitamente controladas, mas também UV solar natural, uma energia renovável. Os resultados são muito promissores, mostrando maiores taxas de remoção de produtos farmacêuticos graças a este processo inovador.

A NÍVEL INSTITUCIONAL

— Desenvolver campanhas de sensibilização para os efeitos dos medicamentos no ambiente

— Incentivar a prescrição da quantidade exata de medicamentos

— Apoiar a pesquisa de novos medicamentos com menos impacto ambiental

— Investir em inovações tecnológicas para melhorar o tratamento de águas residuais

A NÍVEL INDIVIDUAL

— Evitar a automedicação

— Tomar a dosagem prescrita

— Devolver os medicamentos que expiraram às farmácias

— Não lançar medicamentos no lavatório ou sanita

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