EMIGRAÇÃO

EMIGRANTES PORTUGUESES NA SUÍÇA: ENTRE PARTIR E FICAR

Liliana Azevedo, Bolseira da FCT no CIES e investigadora associada no Observatório da Emigração. É também Associated Doctoral Student no NCCR – on the move (National Center of Competence in Research — The Migration—Mobility Nexus), na Suíça. Décadas após uma das decisões mais difíceis da sua vida, os emigrantes portugueses que partiram para a Suíça nos anos 1980 confrontam-se agora com um novo dilema: ficar, com uma reforma que não lhes assegura a qualidade de vida que procuravam quando partiram, ou regressar a uma terra com a qual se quebraram laços afetivos.

Liliana Azevedo - Revista Iscte Entrecampus
Liliana Azevedo - Revista Iscte Entrecampus.

Qual é o objeto da sua tese de doutoramento?

Estou a estudar a emigração portuguesa para a Suíça, em particular os que emigraram nos anos 1980 e estão agora a atingir a idade da reforma. São geralmente pessoas com baixa escolaridade, que emigraram para terem uma vida melhor. O seu projeto migratório era de curto prazo, mas acabaram por ir ficando, uma vida inteira de trabalho lá fora. Os filhos vivem geralmente na Suíça, ou num país vizinho, foram um dos principais motivos para uma permanência mais prolongada e são agora um dos elementos que tornam a decisão do regresso difícil. Interessa-me perceber o que está a acontecer a essa primeira geração, agora com mais de 60 anos, que está reformada ou em vias disso e que ainda vive na Suíça ou já regressou a Portugal. E interessa-me também perceber a dinâmica do processo de decisão, sobretudo nos casais.

Como se interessou por este assunto?

Eu própria sou filha de emigrantes. Nasci em Portugal e cresci na Suíça, os meus pais emigraram quando eu era criança. Fiz a minha formação académica lá: uma licenciatura em Ciências Sociais, em Lausanne, e um mestrado em Estudos de Género, em Genève. Foi aí que me interessei pela primeira vez por este tema – a minha dissertação versava o papel das mulheres na emigração portuguesa para a Suíça. Isso foi em 1999/2000, numa altura em que praticamente não havia literatura sobre os portugueses na Suíça. Percebi mais tarde que foi nesse período que começaram a surgir estudos sobre estes migrantes. Ainda hoje, apesar de já haver algumas publicações sobre os portugueses na Suíça, é uma população que continua a ser muito pouco estudada, em ambos os países.


Porque regressou a Portugal?

Vim para Portugal, em setembro de 2001, através de um estágio do IEFP. Nessa altura, era António Guterres primeiro-ministro, foi implementada uma política que visava atrair para Portugal descendentes de emigrantes, em particular os que tinham qualificações. Sempre tive um contacto regular com Portugal, mas a zona de Lisboa era para mim uma novidade, estava a gostar de cá estar e decidi ficar mais um ano ou dois, até porque o meu objetivo inicial era compreender melhor o país onde tinha nascido. Muitos dos descendentes de emigrantes portugueses – era o meu caso – tinham de Portugal uma imagem retrógrada. Essa imagem foi-lhes, em parte, transmitida pelos pais oriundos, na sua maioria, de zonas rurais. Mas também resulta da falta de investimento, por parte de Portugal, de políticas ativas e permanentes de promoção do país e da sua cultura, direcionadas aos portugueses lá fora. O acesso a informações sobre Portugal na atualidade (além da RTP internacional, cuja programação não era/é muito atraente para as camadas mais jovens) era escasso.

Para dar um exemplo, quando andava no liceu, decidi fazer um trabalho sobre Portugal e na biblioteca municipal só encontrei um livro de 1975… eu não vivia numa cidade pequena, mas não consegui outras fontes! Foi no início dos anos 1990, ainda não havia Google, muitos menos redes sociais… De modo que só descobri um país moderno, que afinal não era parado no tempo, quando vim para Lisboa. Depois aconteceu o que é normal nestas situações, encontrei pessoas, um emprego, criei redes e raízes... fui ficando. Vim por nove meses e ainda cá estou! Há três anos, fui mãe e esse evento mudou o meu rumo profissional. Foi então que decidi concorrer a uma bolsa de doutoramento.

A Suíça é um país com muita imigração. Qual a posição dos portugueses nesse contexto?

A Suíça tem 8,5 milhões de habitantes, sendo que cerca de 2,1 milhões têm nacionalidade estrangeira. Os portugueses são a terceira nacionalidade mais importante, com cerca de 265 mil residentes permanentes, atrás dos italianos e dos alemães. Se contabilizarmos os que têm dupla nacionalidade, facilmente chegamos a quase 300 mil pessoas de origem portuguesa.

A Suíça tornou-se um dos principais destinos de emigração, a partir dos anos 1980, quando os países que tradicionalmente nos acolhiam, como a França e a Alemanha, restringiram a entrada de novos imigrantes, devido à situação de recessão económica provocada pela crise petrolífera de 1973-1974. Nessa altura, a Suíça acolhia uma imigração maioritariamente pouco qualificada, os portugueses iam essencialmente trabalhar para as obras, a agricultura e a hotelaria-restauração. A partir dos primeiros casos, gerou-se o fenómeno de rede, fator que explica a manutenção deste fluxo migratório ao longo do tempo. Nessa altura, chegaram também em grande número pessoas oriundas da ex-Jugoslávia. 

Os movimentos migratórios mais relevantes para a Suíça, até então, tinham sido de italianos, desde o início do século XX, e de espanhóis, no pós-guerra. Quanto aos portugueses, tinha havido alguma imigração, desde os anos 1960, parcialmente por motivos políticos, mas também pessoas com qualificações, como, por exemplo, enfermeiros.

A entrada de portugueses na Suíça aumentou substancialmente desde 1980, em particular no período 1985-1995. Nos anos 1990, a economia helvética teve uma estagnação prolongada e o saldo migratório dos portugueses inverteu-se, ficando negativo de 1996 a 2001. A viragem deu-se depois em 2002, ano da entrada em vigor dos acordos de livre circulação entre a Suíça e a União Europeia. A partir daí, o número de portugueses a emigrar para a Suíça conheceu um aumento constante até 2013. Desde então abrandou novamente e, simultaneamente, as saídas têm sido mais numerosas a cada ano, em particular nas pessoas que residem lá há mais anos e nas camadas mais envelhecidas.  

Há problemas de integração dos imigrantes na Suíça?

Claro que sim, como em todos os países. No entanto, tem havido uma evolução positiva das políticas de integração na Suíça. Nos anos 1980 e 90, por exemplo, praticamente não havia cursos de línguas para estrangeiros, como agora. Hoje existem gabinetes municipais de integração, folhetos e brochuras de acolhimento em várias línguas que informam sobre direitos e serviços.

Esta mudança de paradigma deve-se também aos acordos de livre circulação com a União Europeia que acabaram com o estatuto de imigrante sazonal. A nível político, assumiu-se finalmente que os imigrantes não são mão-de-obra temporária, mas sim residentes permanentes, que vieram para ficar.

Em que ponto se encontra o seu trabalho?

Já realizei mais de metade do trabalho de campo, faltando ainda o tratamento e a análise dos dados. Se tudo correr bem, penso concluir nos finais de 2021. Já identifiquei várias pistas para reflexão, mas há ainda muito trabalho pela frente.

Como está a fazer a recolha da informação?

Estou a realizar entrevistas biográficas, em que as pessoas falam do seu percurso de vida: o contexto da partida, as condições em que emigraram, como foram ficando e em que condições, e como perspetivam agora a sua reforma. As entrevistas são realizadas nos dois países, com pessoas já reformadas ou perto da reforma, sejam elas residentes na Suíça ou tenham regressado a Portugal nos últimos anos. Também entrevistei diversos atores institucionais, como associações de emigrantes, estruturas diplomáticas portuguesas, estruturas suíças de apoio aos imigrantes ou aos idosos, etc.

Em Portugal, tenho tido alguma dificuldade em encontrar as pessoas que já regressaram porque estão muito dispersas no território, maioritariamente no Norte do país, mas também tenho realizado várias entrevistas com pessoas do Centro e Sul.

Normalmente, regressam ao ponto de partida, que nem sempre é o seu local de origem. Há pessoas que nasceram em aldeias, começaram por migrar para as periferias das grandes cidades portuguesas e só depois para o estrangeiro, e pessoas nascidas nas ex-colónias.

Na Suíça, integrei o centro nacional de pesquisas dedicado à mobilidade e migrações, da Universidade de Neuchâtel, que congrega investigadores de todo o país que estudam as questões da mobilidade nas suas diversas vertentes. É um sítio excelente para crescer, do ponto de vista académico, e permite-me estar em diálogo com a academia suíça sobre estas matérias.


Tem sido fácil, a realização de entrevistas?

Os investigadores suíços dão nota de algum fechamento e reserva por parte dos portugueses quando se trata de participar em estudos – o que pode em parte ser explicado pela sua baixa escolaridade ou por não se sentirem totalmente à vontade com a língua. No meu caso, o facto de partilhar com as pessoas que entrevisto um certo percurso de vida, além da língua e cultura, e de ser frequentemente introduzida por outros portugueses, facilita-me bastante a aproximação.

 

E qual é, então, o dilema com que se confrontam os emigrantes portugueses na Suíça em idade de reforma, e que são objeto do seu estudo?

O dilema com que se deparam os nossos emigrantes é semelhante ao dilema de qualquer suíço: a idade da reforma representa uma quebra acentuada de rendimentos e torna-se difícil, senão mesmo impossível, manter o nível de vida que se tinha em idade ativa. A especificidade dos portugueses desta geração é que são poucos os que têm uma carreira contributiva completa (que na Suíça é de 42 anos), a não ser que tenham emigrado realmente muito novos. Por outro lado, ocuparam os segmentos mais baixos do mercado de trabalho suíço – obras, limpezas, agricultura, hotelaria, etc. –, e tiveram geralmente ordenados (e descontos) inferiores aos dos trabalhadores nacionais. Os que tiveram oportunidades de progressão no emprego conseguiram amealhar mais para o fundo de pensões, mas a maioria foi à custa de empregos extra que conseguiu realmente juntar dinheiro.

No caso das mulheres, os rendimentos de reforma são normalmente ainda mais baixos porque grande parte delas trabalhou na economia informal, em empregos precários ou tempos parciais, fizeram menos descontos que os maridos para a segurança social, e isso é muito relevante na hora de tomar decisões sobre o futuro na reforma.

As pensões destes emigrantes são consideradas altas em Portugal, quando equiparadas com quem tem as mesmas qualificações e não emigrou, mas na Suíça são mínimas e não lhes permitem chegar ao fim do mês, sem recorrer a poupanças ou a ajudas externas, dos filhos ou da assistência social.

E quais são as opções com que se deparam?

Há aquelas pessoas que sempre tiveram o regresso como meta, mesmo se foi sendo adiada, mas há outras que adquiriram a nacionalidade suíça aos 50 anos porque tinham intenção de ficar a viver a sua velhice na Suíça, passando temporadas mais alargadas em Portugal, até porque a maioria tem cá casa ou apartamento. Mas, depois dos 60, quando o homem atinge a idade da reforma, começam a fazer contas e confrontam-se com o problema concreto da quebra de rendimentos, que mencionei há pouco. A Suíça tem um custo de vida muito elevado, só o seguro de saúde e a renda da casa levam quase toda a pensão de velhice... Os que passaram por situações de doença ou desemprego, por exemplo, nem sequer conseguem ter grandes reservas. Estamos a falar de pessoas que muitas vezes emigraram para sair da pobreza. Não querem voltar a empobrecer no fim da vida. Mas o regresso a Portugal também levanta muitas dúvidas. Há as questões afetivas, relacionadas com o facto de os descendentes viverem na Suíça, ou com a realidade que vão encontrar em Portugal: a localidade de onde saíram, há 30 ou 40 anos, pode ter sofrido desinvestimento público e desertificação, os amigos e a família morreram ou partiram. Mas há também aspetos de ordem prática que preocupam quem regressa em idade mais avançada, nomeadamente o acesso à saúde e a (in)existência de estruturas de apoio domiciliário e geriátrico nas localidades para onde regressam.

A decisão é mais complexa do que optar entre a escolha emocional, que é ficar no país que uma maioria já sente seu, junto dos filhos e netos, e uma escolha racional, que passa por se mudar para onde a sua pensão permite um nível de vida melhor. Nesta equação, as mulheres tendem a resistir mais ao regresso, porque receiam mais o isolamento que essa opção pode representar. As estatísticas mostram que, nos cinco últimos anos, as saídas de emigrantes da Suíça têm vindo a aumentar e as de pessoas acima dos 50 anos mais do que duplicaram nos últimos dez anos. Mas essa é uma realidade que ainda preciso de analisar mais em profundidade.


A partir dos contactos que manteve, o que nos pode dizer acerca do conhecimento que as autoridades têm da emigração portuguesa na Suíça, nomeadamente do tema do seu trabalho?

Em Portugal, há muitas ideias feitas e um desconhecimento geral acerca da situação dos emigrantes, nomeadamente dos mais envelhecidos. No caso da Suíça, o sistema de pensões, mas também o de saúde, tem muitas especificidades, de modo que a situação dos emigrantes naquele país difere a vários níveis da situação dos emigrantes em França, por exemplo. Por outro lado, quando se dirigem à Administração Pública portuguesa, os emigrantes recebem muitas vezes uma informação vaga, ou até mesmo contraditória com a que obtiveram através de outras fontes, o que não alimenta a sua confiança no país. É necessário reconhecer que há ainda muito pouco investimento na comunicação com os emigrantes, apesar de ter havido algumas melhorias. Quanto às estruturas associativas, onde as pessoas iam procurar informação e apoio no século passado, foram ultrapassadas pela internet, mas esse canal não está a ser utilizado de forma eficaz para fazer chegar informação acessível e descomplicada às pessoas.  

O interesse político, mediático e académico – desde os anos 1990 e até recentemente – centrou-se mais na imigração do que na emigração. A saída de portugueses voltou a ganhar alguma atenção na última década, com a crise, mas criou-se a ideia de que a nossa emigração se tornou qualificada. Na realidade, Portugal nunca deixou de ser um país de emigração e de emigração não qualificada, mas o perfil de quem emigra foi-se diversificando, bem como as suas motivações e percursos de inserção lá fora.

Em Portugal, há muitas ideias feitas e um desconhecimento geral acerca da situação dos emigrantes, nomeadamente dos mais envelhecidos.

Galeria Emigração Revista Iscte Entrecampus

Para além dos aspetos académicos, tinha outros objetivos em mente quando iniciou este trabalho, por exemplo, influenciar o poder político?

Tenho várias motivações para este trabalho. Uma delas é dar a conhecer as experiências de vida destes emigrantes e dar-lhes algum reconhecimento. Por outro lado, gostaria que este trabalho pudesse informar os decisores políticos, em Portugal e na Suíça, sobre a situação dos (ex-)emigrantes com mais idade. Quase toda a gente pensa que estão bem na vida porque a sua reforma vem do estrangeiro e é mais elevada do que as de cá, mas não devemos esquecer que o custo de vida em Portugal vai necessariamente aumentar, enquanto as suas pensões não. De um ponto de vista político, deve ser tido em conta que estas pessoas têm um papel na dinamização da economia local dos concelhos onde se fixam, consumindo todo o tipo de bens e serviços. Mas também não devemos esquecer que, dentro de 10 a 15 anos, vão necessitar de estruturas de apoio adaptadas nesses mesmos concelhos.  Seria de grande utilidade para os emigrantes, mas igualmente para ambos os países, que alguns dos cenários e problemas pudessem ser antecipados, de forma a poderem ser resolvidos. Espero poder contribuir para isso. Tenho várias motivações para este trabalho. Uma delas é dar a conhecer as experiências de vida destes emigrantes e dar-lhes algum reconhecimento

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