INOVAÇÃO

Compras públicas fomentam inovação


Cristina Sousa


CRISTINA SOUSA

Docente Iscte

Investigadora Dinâmia’CET-Iscte



Portugal é um dos países europeus em que a inovação
tem uma menor expressão nas compras públicas.
Uma equipa do Iscte e do LNEG estudou formas
de ultrapassar o problema



O estudo “Mercado da Contratação Pública de Inovação em Portugal”, concluído recentemente, foi desenvolvido por uma equipa de investigadores do Iscte e do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) para a Agência Nacional de Inovação (ANI). Como surgiu?

Este estudo resultou de um processo concursal lançado pela ANI, que tinha como principal objetivo estimar o valor de mercado das compras públicas de inovação (CPI) em Portugal e proceder à sua caracterização. Tradicionalmente as políticas de inovação são dominadas pelo lado da oferta, ou seja, pelo estímulo à criação de novos conhecimentos e ao surgimento de novas tecnologias, bens, serviços, processos produtivos. Pelo lado da procura, as CPI são um instrumento da política de inovação. Neste processo, as entidades públicas compram serviços de I&D, seja eles produtos, serviços ou processos que ainda não existem, os dos quais são os primeiros utilizadores, conduzindo à emergência da inovação.


Estamos a falar de nichos de mercado ou, pelo contrário, de uma realidade de grande dimensão?

Apesar da relevância atribuída às CPI por académicos e decisores políticos, por exemplo ao nível da Comissão Europeia, ainda existe muito pouca evidência sobre a sua expressão, não existindo dados recolhidos de forma sistemática sobre o seu valor nos diferentes países. Não sabemos, por isso, exatamente qual é o valor das CPI em Portugal, nem noutros países. O estudo que elaborámos foi, por isso, pioneiro e com alguma ambição. Além de fornecermos uma estimativa do valor potencial do mercado da CPI em Portugal, desagregámos a estimativa do valor potencial de mercado da CPI (entre contratos de I&D e contratos de soluções inovadoras); identificámos os serviços públicos mais relevantes para este tipo de compras; caracterizámos a trajetória do valor e das práticas de CPI em Portugal; perspetivámos a evolução do mercado de CPI em Portugal; e, finalmente, elaborámos um conjunto de recomendações para o mercado de CPI em Portugal e para as políticas públicas.



As compras públicas de inovação
permitem mudar padrões de consumo e de produção,
operacionalizar objetivos estratégicos
(ambientais, sociais e económicos)
e estimular a criação de mercados



 

Em traços muito gerais, a que conclusões chegaram?

O estudo dá contributos teóricos, com interesse para a comunidade académica, e contributos empíricos, aumentando o conhecimento da realidade portuguesa, com particular interesse para os decisores políticos. Estimamos, por exemplo, que o valor atual das CPI em Portugal se situe entre os 2% e os 4% do total de compras públicas, o que, em termos absolutos, corresponde a um montante entre os 637 e os 1,274 milhões de euros. Trata-se de um valor baixo, muito inferior ao nível de contratação médio de economias com o mesmo nível de desenvolvimento. Por exemplo, é metade do valor alcançado pela Lituânia, que tem um valor idêntico de PIB per capita. O exercício de benchmarking permitiu identificar dois grupos de países de referência particularmente interessantes para compreender as causas do baixo valor registado em Portugal. Um primeiro grupo é formado por países, como a Espanha e a Estónia, com níveis de desenvolvimento relativamente próximos e que apresentam valores de CPI em torno dos 10% das compras públicas, ou seja 2,5 vezes superior ao valor nacional. Um segundo grupo é constituído por países substancialmente mais ricos e que apresentam níveis de CPI da ordem dos 12% das compras públicas. Estamos a falar, por exemplo, do Reino Unido, da França ou dos Países Baixos.


O vosso estudo poderá, de alguma forma, contribuir para a melhoria de Portugal nesse “ranking”?

O estudo conclui que Portugal poderá alcançar, no curto prazo, os níveis de contratação do primeiro grupo, com os quais partilha uma condição socioeconómica mais próxima, desde que todas as melhores práticas documentadas no estudo sejam adotadas. Porém, atingir os níveis de contratação do segundo grupo já requer alterações estruturais que exigirão mais tempo.

Com base no exercício de benchmarking, estimámos que o valor potencial anual do mercado de CPI para Portugal se situe entre 4% e 10% das compras públicas ou, em termos absolutos, entre 1,274 e 3,185 milhões de euros, tendo como referência o primeiro grupo de países. Se compararmos com as melhores práticas dos países do segundo grupo, o valor potencial aumenta para um intervalo entre 6 e 12% ou, em termos absolutos, entre 1,911 e 3,823 milhões de euros. Foram ainda elaborados três cenários para a evolução das CPI em Portugal até ao final da década. No cenário mais otimista, Portugal atingiria o nível de contratação dos países do primeiro grupo já em 2025, o que corresponderia a um aumento de duas vezes e meia do peso das CPI no total de compras públicas. No cenário mais pessimista, esse nível nunca será alcançado e apenas se observa a duplicação do esforço de CPI nas compras públicas em 2030. As análises realizadas fornecem ainda indicações sobre os setores com maior potencial para aumentar as compras públicas de inovação. O peso das CPI dos “serviços públicos gerais, administração pública, assuntos económicos e financeiros” em Portugal é significativamente mais baixo do que nos países de referência. Este sector representa em média 30% do total de CPI nos países de benchmark, quando em Portugal esse peso não vai além dos 16%. Deste modo, as despesas em CPI neste sector deveriam aumentar cerca de quatro a seis vezes até 2030, face aos valores atuais, que estão estimados entre 100 e 200 milhões de euros.



Compras Públicas


O estudo vai ter alguma continuidade?

Estamos na fase de divulgação dos resultados – através da apresentação dos resultados em comunicações orais e da sua publicação em artigos em revistas científicas – e equacionamos a submissão de novas propostas de projetos a concursos de financiamento competitivo, de forma a estendermos a investigação em novas direções. Além de ter contribuído para o avanço do conhecimento académico, consideramos que o estudo é relevante para a elaboração de políticas públicas, ao fornecer um conjunto de dados até aqui desconhecidos, nomeadamente o valor potencial do mercado de CPI no nosso país, assim como as barreiras ao seu crescimento. A equipa foi convidada a apresentar os resultados na sessão de lançamento do Centro de Competências em Compras Públicas de Inovação, que surge no seguimento de uma parceria entre a ANI e o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) e visa contribuir para mudar o estatuto do baixo desempenho nacional em Contratação Pública de Inovação. Podemos agrupar as recomendações que fizemos em três grupos:

› ao nível da visão estratégica, relacionado com a necessidade de promover uma mudança estrutural da forma como as CPI são encaradas em Portugal, integrando-as efetivamente na política de inovação de forma coerente e com apoio político ao mais alto nível;

› ao nível das medidas de política, relacionados com os processos de CPI, a sua transparência, abertura à concorrência, e participação quer por parte das entidades públicas compradoras quer por parte das empresas fornecedoras;

› e ao nível das mudanças organizacionais, centrado na implementação da CPI na Administração Pública, no seu alinhamento com as estratégicas e práticas das entidades contratantes e na capacitação dessas entidades.



Cristina Sousa



Com que equipa foi desenvolvido o projeto?

Do Iscte, participaram também a Inês Santos, o Nuno Bento, o Ricardo Paes Mamede, o Ricardo Ribeiro e o Tiago Alves. Do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) participaram a Margarida Fontes e a Paula Trindade. Trata-se de uma equipa com ampla experiência de investigação em estudos de inovação, políticas públicas, compras de inovação, aprendizagem automática, mineração de texto e análise de conteúdo de documentos. De salientar que o estudo foi realizado em seis meses, durante o período pandémicos, mostrando a agilidade da equipa.



Num cenário mais otimista, Portugal atingiria
o nível de contratação dos países mais próximos já em 2025,
o que corresponderia a um aumento de duas vezes e meia
do peso das CPI no total de compras públicas



E que métodos de trabalho utilizaram?

O estudo desenvolveu uma metodologia inovadora, que combina diversas técnicas de recolha e análise de dados – qualitativas e quantitativas, integrando uma abordagem top-down – revisão sistemática da literatura e exercício de benchmarking – com uma abordagem bottom-up – mineração de dados e análise de conteúdo. Foi usada uma multiplicidade de fontes estatísticas, bases de dados e relatórios oficiais, visto que não há nenhuma base de dados que reúna de forma sistemática a informação necessária para a realização deste estudo. Entre as fontes oficiais mais relevantes encontram-se diversas bases de dados do Eurostat e de outros organismos internacionais (por exemplo, OCDE, Banco Mundial, Comissão Europeia), plataformas que agregam recursos sobre CPI e que disponibilizam um conjunto alargado de casos de estudo e de dados.


Este projeto insere-se, de alguma forma, na sua trajetória de investigação?

A temática das CPI é nova para mim. Mas está alinhada com a investigação que tenho desenvolvido e que se tem centrado sobre diversas vertentes dos processos de inovação e mudança tecnológica, assim como os seus efeitos socioeconómicos. E também corresponde à filosofia do Dinâmia’CET-Iscte, aliando uma forte inserção na pesquisa avançada a nível internacional ao empenhamento em aprofundar o conhecimento da realidade portuguesa, na perspetiva de contribuir para o processo de desenvolvimento socioeconómico e territorial do país. Finalmente, o projeto está igualmente alinhado com tradição do Iscte de produzir conhecimento que contribui para o reforço da qualidade das políticas públicas e para a modernização e capacitação da Administração Pública.

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