INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Inteligência artificial nas doenças do coração


Luís Elvas 01


LUÍS ELVAS

Doutorando em Ciências e Tecnologias da Informação Iscte

Investigador ISTAR-Iscte


Estudante do Iscte obteve prémio de melhor tese de mestrado da Ordem dos Engenheiros. Digitalização da saúde está em alta por todo o mundo



Comecemos pela tese de mestrado, em que aplicou os seus conhecimentos de engenharia informática à saúde, em contexto real.

Atualmente, para conhecermos a quantidade de cálcio presente no coração, no âmbito do diagnóstico de várias patologias cardíacas, é necessário fazermos uma ecocardiografia. No entanto, essa apenas revela a presença de cálcio, mas não a quantidade, sendo para isso necessário fazer uma Tomografia Axial Computorizada (TAC), que é um processo bem mais invasivo, devido à emissão de radiações. Acresce que este processo, no fundo repetitivo, exige um trabalho moroso aos médicos. O que estamos a tentar fazer é quantificar o cálcio a partir de uma ecocardiografia.

 

Qual o principal desafio?

O principal obstáculo tem a ver com a própria estrutura corporal de cada pessoa, já que, por exemplo, a presença de massa gorda dificulta a recolha de imagens com o recurso aos ultrassons das ecocardiografias.

O nosso trabalho tem a ver com a normalização da imagem, para que, independentemente das configurações de recolha, a informação retirada da imagem seja igual. Isto porque, num indivíduo com mais massa, o ultrassom será mais intenso e, como consequência, o reflexo do cálcio será, também ele, mais intenso. Ou seja, mais intensidade pode não significar necessariamente mais cálcio, mas sim uma configuração mais forte.

 

Em que consiste o vosso trabalho?

O nosso trabalho visa precisamente modelar todas as componentes, de forma a que do exame saiam resultados consistentes e confiáveis, independentemente da estrutura da pessoa e da consequente intensidade de som necessária para o diagnóstico. Conseguimos, assim, inferir a quantidade de cálcio presente, com uma margem de erro muito diminuta.

 


 Através da Inteligência Artificial pretendemos colocar as máquinas a desenvolver o trabalho rotineiro, libertando os médicos dessas tarefas 


  

E como se faz isso?

Tentamos replicar a experiência dos médicos. Percebemos os pontos-chave que o médico analisa e criamos uma ferramenta capaz de replicar as decisões médicas.

Na Inteligência Artificial, fornecemos aos computadores a solução e eles tentam compreender a relação entre o problema e a sua resolução. Isso exige um vasto conjunto de dados (big data), que possa comportar o maior número possível de variantes do problema e da solução. Para este projeto, trabalhamos com enormes quantidades de informação – cerca de 600 variáveis – fornecida pelo Hospital de Santa Maria, sobre cada um dos utentes, de forma anonimizada, seja ela proveniente dos aparelhos de diagnóstico, seja de notas dos médicos. Para potenciar o trabalho da máquina e evitar que ela erre – isso acontece quando se depara com um problema que nunca tinha encontrado – é necessário forneceremos a maior quantidade possível de informação. E daí a grande vantagem de trabalhamos com dados reais, em contexto real.

  

Em que fase se encontra o projeto?

Ultrapassadas que estão as fases de desenvolvimento, procedeu-se à validação e estamos agora em processo de aplicação. Este processo está em contexto experimental, ainda não em grande escala, no Hospital de Santa Maria.

 

Que impacto está a ter o prémio que recebeu da Ordem dos Engenheiros para a sua tese de mestrado?

O prémio para melhor tese de mestrado de 2021 surgiu no processo de candidatura à Ordem dos Engenheiros. Constituiu para mim uma surpresa e, é claro, despertou curiosidade no meio universitário e médico. Penso que está a dar uma boa visibilidade ao tema do contributo da tecnologia da informação para a medicina.

 

Sendo da área das engenharias, como se interessou pelos temas de medicina?

O meu pai é médico e, desde sempre, à minha curiosidade, respondeu com muita paciência, com informação real. Não tenho formação em medicina, mas o que o meu pai me foi dizendo ao longo dos anos faz com que conheça bem esse meio. A engenharia informática, licenciatura que concluí no Instituto Politécnico de Castelo Branco, era o meu destino natural, visto que sempre me interessei pelos computadores – não pelos videojogos, mas pela máquina, o potencial dos computadores para a sociedade. O contexto que trago da medicina abriu-me portas para a área da saúde. Comecei a trabalhar, no fim de licenciatura, no INESC Inov, na área da Inteligência Artificial aplicada aos transportes. No final de 2020, surgiu a possibilidade de me ligar à Associação para a Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina, na Universidade de Lisboa. E foi aí, em contexto real, que pude desenvolver um projeto de Mestrado de Sistemas Integrados de Apoio à Decisão, que cruza a área da saúde com a da informática.

 


Assiste-se a um boom, a nível mundial, nas sinergias entre a saúde e as tecnologias da informação. O Iscte já tem diversas formações nesta área


 

Entretanto, já iniciou o doutoramento.

O meu doutoramento centra-se na área da cardiologia e tem como objetivo central aliviar os médicos de todo o trabalho rotineiro. Estou a trabalhar sobre as patologias da calcificação da válvula aórtica, esclerose aórtica, estenose aórtica e ainda dados relacionados com a Covid-19. São doenças que desenvolvem síndromes similares e o meu trabalho visa simplificar o diagnóstico diferencial dessas doenças. Pretendemos fornecer informação visual, de forma mais rápida, ao médico, para que este possa tomar uma decisão baseada em dados, mais eficaz e focada. E temos também o objetivo de que os computadores possam, eles próprios, fornecer os relatórios dos exames. Atualmente, esse é um processo moroso, executado pelo médico, de forma pouco estruturada. Através de processos de text mining (mineração de texto) estamos a estruturar a informação, de forma a que possa ser interpretada pelas máquinas, para que produzam os relatórios, passando o médico ao papel de validador.

 

Que projetos desenvolve no ISTAR-Iscte?

No ISTAR-Iscte ajudo a fazer a interface com o Hospital de Santa Maria. Neste momento, cerca de uma dezena de estudantes manifestaram interesse em desenvolver a tese de mestrado nesta área, e é necessário colocar todas as partes em comunicação. O meu trabalho também beneficia muito do interesse crescente por estes temas, quer no ISTAR-Iscte, quer no projeto Iscte Saúde. Está a registar-se um boom a nível mundial pelas sinergias entre a saúde e as tecnologias da informação. Reflexo disso é o facto de termos, quer no Iscte, quer no Iscte Executive Education, quer agora no Iscte Sintra, uma série de formações na área da saúde digital.

 

Aos 24 anos, sobra-lhe tempo para hobbies?

Sim… Estou a retomar o trompete. Estudei música e toquei durante oito anos, parei por causa dos estudos.

 

Luis Elvas 02
Voltar ao topo