EDITORIAL

48 anos de história


reitora editorial


MARIA DE LURDES RODRIGUES

Reitora




O Iscte – Instituto Universitário de Lisboa foi criado há 48 anos, no quadro de uma reforma das universidades públicas apoiada e induzida pelos setores progressistas e desenvolvimentistas do regime autoritário, designando-se então Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

Num primeiro momento, são apenas dois os seus cursos, Ciências do Trabalho e Organização e Gestão de Empresas, afirmando-se no Decreto-Lei fundador, de 1972, o seguinte:

Com a criação dos cursos de Ciências do Trabalho e de Organização e Gestão de Empresas, enriquecem-se e diversificam-se os estudos dirigidos ao desenvolvimento económico e social do mundo português e procura-se dar satisfação à necessidade de novas especializações, nomeadamente no que se refere aos problemas sociais e à moderna gestão empresarial.

Alguns dos protagonistas do projeto de criação do Iscte definiram-no como um “cavalo de Troia”, com o qual se procurava modernizar as universidades e o país. Em 1974, com a revolução de abril, surge a oportunidade de tomar Troia. No Iscte, o curso de Ciências do Trabalho foi transformado na licenciatura de Sociologia, a primeira do país, e é consolidado o lugar do estudo e do ensino da Antropologia Social e da História Contemporânea no currículo dos diferentes cursos, incluindo no de Organização e Gestão de Empresas.

De meados da década de 80 até aos anos 2000, assiste-se à expansão das atividades de investigação e de ensino. No início do novo século, quando se iniciou a adequação dos programas de Ensino Superior ao processo de Bolonha, o Iscte, que tinha entretanto completado 30 anos de existência, oferecia 16 cursos de licenciatura, 32 cursos de mestrado e sete de doutoramento.

O processo de expansão do Iscte fez-se por desdobramento e cruzamento disciplinar, a partir da matriz curricular dos seus dois cursos fundadores. Sociologia e Gestão de Empresas tiveram, desde a origem, matrizes curriculares pluridisciplinares, construídas com o contributo de várias áreas de formação complementar, como a economia, a história, a psicologia, a antropologia, a matemática, a estatística e a informática.

Desde a sua criação, a capacidade de inovação distingue o Iscte das universidades tradicionais. Por um lado, adoptou uma cultura de funcionamento pouco marcada pela rigidez da hierarquia académica, sendo as responsabilidades de ensino e de investigação distribuídas pelo conjunto dos professores, mais em função das suas capacidades e motivações e menos pelo seu posicionamento na carreia docente. Por outro lado, o seu estatuto institucional, isto é, um instituto universitário não integrado nas estruturas mais rígidas das universidades tradicionais permitiu acolher a autonomia, em todos os patamares ou níveis de decisão, do topo à base.

No panorama do Ensino Superior público em Portugal, o Iscte é hoje o único instituto universitário especializado. A partir de 2007, com a adequação dos cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento ao processo de Bolonha, e de 2009, com a adoção do regime fundacional, no quadro do novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, o Iscte reforma a sua organização interna e institui as suas atuais quatro escolas e 16 departamentos:


› a Escola de Gestão, constituída pelos departamentos de Marketing, Operações e Gestão Geral, de Contabilidade, de Finanças, de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional, de Economia e de Métodos Quantitativos para a Gestão e a Economia;

 a Escola de Sociologia e Políticas Públicas, constituída pelos departamentos de Sociologia, de Métodos de Pesquisa Social, de Ciência Política e Políticas Públicas e de História;

 a Escola de Tecnologias e Arquitetura, constituída pelos departamentos de Arquitetura e Urbanismo, de Ciências e Tecnologias de Informação e de Matemática;

 a Escola de Ciências Sociais e Humanas, constituída pelos departamentos de Economia Política, de Antropologia e de Psicologia Social.

 

É neste contexto, de aprofundamento das áreas disciplinares fundadoras que continuam a ser criados novos cursos de mestrado e de doutoramento, por desdobramento, cruzamento e aprofundamento disciplinar: Ciência Política, Políticas Públicas, Serviço Social, Economia Política, Administração Escolar, Gestão de Hotelaria e Turismo. Em 2018, seguindo esta trajetória, foram lançados novos cursos inexistentes no país, em Ação Humanitária, em Ciência de Dados e em Economia Política.

Herdeiros deste importante património, preparamos o futuro do Iscte com novos projetos. De entre eles, são de destacar quatro, em pleno desenvolvimento.

Em 2019, foi criado um centro de transferência de conhecimento e tecnologias, o Iscte – Conhecimento e Inovação, como espaço de trabalho colaborativo e interdisciplinar, o qual reúne, numa combinação inédita no país, as ciências sociais e humanas e as tecnologias digitais. A complexidade dos problemas que enfrentam as sociedades contemporâneas exige o contributo das ciências sociais e o desenvolvimento das tecnologias digitais, num paradigma que envolva conhecimento interdisciplinar. Esta associação terá instalações no novo edifício do Iscte, com frente para a Avenida das Forças Armadas.

O projeto Iscte-Sintra consiste na criação de uma nova escola para o ensino de tecnologias digitais aplicadas, no concelho mais jovem do país. Sintra é não só o concelho do país com mais população jovem, como um dos que tem uma maior incidência de abandono escolar após o ensino secundário, justificando-se por isso a criação de uma oferta de Ensino Superior de proximidade, nas áreas tecnológicas essenciais para a transformação digital do tecido económico e social do concelho. A formação de jovens e de adultos em tecnologias digitais aplicadas, em diferentes níveis de qualificação, ganhou nova urgência e relevância tendo em conta as diretivas e programas europeus e nacionais nas matérias relativas à transformação digital.

O projeto Saúde Societal resulta da convicção de que os problemas de saúde pública convocam o contributo de todas as áreas científicas, incluindo as ciências sociais e humanas e as tecnologias digitais. O Iscte não tem responsabilidades na formação inicial dos profissionais do setor da saúde. Porém, os seus centros de investigação e unidades orgânicas departamentais dispõem de recursos, capacidades, conhecimentos e competências dispersos por diferentes áreas disciplinares, da psicologia, sociologia e ciências da comunicação às tecnologias digitais e redes, da gestão, estratégia, logística e gestão de recursos humanos, às políticas públicas e serviço social, que são essenciais para a resolução dos problemas de saúde que o país enfrenta. Hoje, enfrentar a complexidade dos problemas de saúde pública requer o contributo de todas as disciplinas e áreas científicas, com abordagens multidisciplinares abrangentes. No futuro, a resolução dos problemas de saúde exigirá ainda mais: mais pluridisciplinaridade, mais digital, mais participação dos cidadãos, mais perspetiva global, mais foco no bem-estar. O Iscte afirma o seu contributo neste domínio com a mobilização dos recursos e competência alargados e plurais que possui.

Finalmente, a formação de técnicos superiores e de dirigentes da Administração Pública é um outro projeto em desenvolvimento, que permite alargar e consolidar a posição do Iscte neste domínio. A crise veio revelar a necessidade de melhorar e valorizar os quadros da Administração Pública e de apoiar os processos de desmaterialização, de desenvolvimento do teletrabalho e de competências em tecnologias digitais. O Iscte, em colaboração com outras instituições de ensino superior, participa num programa de valorização e requalificação do Instituto Nacional de Administração (INA), estando em curso o processo legislativo que conduzirá à criação de um consórcio entre este instituto e três instituições do ensino superior. Com este projeto pretende-se afirmar a experiência do Iscte na formação e ensino nas áreas da administração e das políticas públicas, aprofundando o quadro de relações já existentes entre o Instituto das Políticas Públicas e Sociais (IPPS) e as instituições do setor privado, público e social. Neste contexto, poderá ainda concretizar-se o projeto de criação de um centro de competências para o apoio à transformação digital dos organismos da administração pública central e local, através da utilização da inteligência artificial no tratamento de dados e no desenho de soluções organizativas e de prestação de serviços.

Ao longo dos anos, a história do Iscte assentou em quatro traços distintivos que marcaram indelevelmente o seu desenvolvimento. Talvez o principal desafio futuro seja preservar esses mesmos traços, tendo em vista continuar a trajetória que permitiu construir esta instituição, que em breve completará 50 anos.

Em primeiro lugar, o objetivo de modernizar a universidade e o país, através da formação de quadros em moldes e em áreas disciplinares diferentes dos tradicionais. Até hoje, o Iscte manteve-se uma universidade diferente, especializada, que, a partir das suas duas áreas fundadoras, sociologia e gestão, inovou sempre, abrindo novas áreas de ensino e investigação e gerando dinâmicas de criação de novos cursos.

Em segundo lugar, a articulação entre as atividades de ensino e de investigação e produção de conhecimento estabelecida desde a primeira hora. O Iscte tem hoje oito centros de investigação que, em sede de avaliação institucional, têm mantido as mais elevadas classificações de Muito Bom ou Excelente.

Em terceiro lugar, a orientação para a valorização do mundo do trabalho e das empresas, bem como das instituições do sector público, pautada pela intervenção, a relevância e a aplicação dos conhecimentos que produz e ensina aos contextos profissionais do tecido empresarial e do setor público.

Finalmente, o pluralismo, sempre valorizados pela comunidade Iscte. Os elevados graus de liberdade e de diversidade internas permitiram, desde sempre, uma trajetória de dinamismo e inovação.

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