Title
O projeto prisional português: Moralidade, ética e o espectro da sociabilidade
Author
Bento, Afonso de Castro
Summary
pt
Esta dissertação parte de uma etnografia da prisão da Carregueira para descrever e analisar o projeto prisional português contemporâneo. O seu argumento é o de que este projeto assenta na mobilização transversal de categorias morais por parte de staff prisional judicial. Para a sua análise foi convocada uma antropologia da moralidade e ética que permitiu a reconstituição de uma moralidade em particular, que impõe uma noção de pessoa autónoma, racional e individualista junto das pessoas recluídas. O registo etnográfico permitiu observar como esta moralidade é (re)produzida no terreno, nomeadamente através do trabalho do staff de reeducação no acompanhamento das pessoas recluídas, da implementação de programas de reabilitação e da forma como são avaliadas as medidas de flexibilização de pena. Essas atividades revelam uma preocupação acentuada com o risco de reincidência, calculado, em parte, com recurso a apreciações subjetivas de culpa e arrependimento. O trabalho etnográfico revelou igualmente como os projetos éticos das pessoas recluídas desafiam muitas vezes essa “visão moral do mundo”, constituindo como seu foco as obrigações e potencialidades inerentes a sociabilidades que transcendem o contexto prisional em detrimento de reflexões centradas em disposições individuais. Essas relações ganham ali uma qualidade espectral, sendo a sua influência reforçada precisamente pela impossibilidade da sua fruição. Ao mesmo tempo, num projeto prisional múltiplo, produto muitas vezes da interseção entre agendas de reabilitação moral e de prevenção de risco, o objetivo de “reinserir”, a sua promessa política e legal, é também notado por staff e pessoas recluídas precisamente pela sua ausência.
en
Based on an ethnography of Carregueira prison, this dissertation aims at describing and analyzing the current Portuguese project surrounding prison. Its argument is that this project depends on the use of moral categories by prison and judicial staff across most activities. Drawing upon an anthropology of morality and ethics, it identifies the presence of a particular kind of morality in this context, one that imposes an autonomous, rational, and individualistic notion of person. Fieldwork allowed for the close observation of how this morality is (re)produced on the ground, namely through reeducation staff supervision of inmate daily life, implementation of rehabilitation program and evaluation of sentence adjustment proceedings, such as parole. These activities revealed a heightened concerned with the risk of recidivism, calculated, in part, through subjective appreciation of guilt and regret amongst inmates. Fieldwork also showed how inmate’s ethical projects challenge this “moral view of the world” by making their focus the obligation and potential inherent in social relationships that lie beyond prison walls, instead of individual dispositions. In prison, these relationships assume a spectral quality, being strengthened precisely because they are absent or denied. The Portuguese project surrounding prison is varied, in many circumstances being the product of a convergence between an agenda of moral rehabilitation and risk avoidance. At the same time, “reintegration”, the main
political and legal promise underpinning it, is also noted - by staff and inmates alike - because of its conspicuous absence.