SAÚDE

Comportamentos sexuais: saúde e bem-estar



David Rodrigues 1


DAVID L. RODRIGUES

Investigador CIS‑Iscte


Vários relatórios evidenciam que o uso de preservativo tem decrescido bastante nos últimos anos, incluindo em Portugal e em Espanha e, ao invés, o número de IST tem disparado no mundo inteiro



O que é que este projeto se propôs investigar?

Pretendíamos saber de que forma é que as motivações que as pessoas têm vão ser informativas para os seus comportamentos sexuais. De um modo geral, as pessoas têm duas motivações fundamentais para atender às suas necessidades. Algumas estão mais propensas a correr riscos na procura de ganhos, enquanto outras pessoas têm mais propensão para estarem atentas a riscos e a protegerem a sua segurança. Estas duas motivações diferem também consoante os domínios da nossa vida. Quem está mais propenso a tomar riscos são as pessoas “em promoção”; quem está mais predisposto a proteger a sua saúde/ segurança são pessoas “em prevenção”. Há vasta literatura a mostrar que as pessoas “em promoção” tendem a jogar mais, alinham em maior risco financeiro, mudam de emprego mais facilmente, etc., enquanto pessoas “em prevenção” tendem a ser mais cautelosas e preferem manter a segurança e as condições que têm de momento para não incorrerem em possíveis perdas. Transpusemos isto para o comportamento sexual e propusemo‑nos perceber se as pessoas “em promoção” estão mais dispostas a correr riscos com o seu comportamento sexual, enquanto pessoas “em prevenção” estariam mais dispostas a proteger a sua saúde sexual. Este foi o foco do projeto. Em termos de comportamento e indicadores de saúde e bem‑ estar sexual, analisámos a frequência de testagem a IST, a frequência de uso de preservativo e as perceções relacionadas com o uso de preservativo em diferentes atividades sexuais. Olhámos também para o afeto – positividade ou negatividade – face a experiências sexuais sem preservativo. Vimos também outro tipo de indicadores, nomeadamente o tipo de educação sexual que as pessoas tiveram, se foi nas escolas, com pais, com amigos, nas páginas de social media, para tentar perceber como é que motivações para a procura de prazer ou para a segurança podem determinar ou estar associadas a diferentes tipos de comportamentos sexuais.

 

Que metodologias foram usadas neste estudo? Maioritariamente, foram quantitativas em que perguntámos às pessoas em que situações e que condições consideravam mais ou menos propensas ao uso do preservativo, bem como que funções atribuíam ao seu uso. Usámos também metodologias experimentais. Nestas apresentávamos um cenário às pessoas e analisámos como é que diferiam nas suas intenções de usar preservativo. O único critério de inclusão era ser maior de 18 anos e ter iniciado a sua atividade sexual, e nesse universo podia participar qualquer pessoa de Portugal ou Espanha. O projeto também teve o intuito de comparar Portugal e Espanha ao longo dos quatro grandes momentos de recolha de dados. Outro grande momento de recolha de dados foi para o estudo longitudinal. Fizemos uma recolha num determinado momento e três meses depois nova recolha, exatamente com as mesmas pessoas, para aferir a causalidade temporal, ou seja, para saber se as motivações das pessoas tendem a determinar os seus comportamentos três meses depois.

 

Detetaram discrepâncias entre Portugal e Espanha?

Não encontramos grandes diferenças entre os dois países. Conseguimos um bom equilíbrio em termos de características demográficas embora, de um modo geral, nos inquiridos haja mais pessoas com elevado nível de educação/escolaridade e a residir em zonas metropolitanas. Há, portanto, um conjunto de pessoas que tende a não ser abrangido por estes questionários – devido a dificuldades no acesso a internet ou computador, por exemplo – e essas são algumas das limitações que temos na generalização dos nossos resultados. O estudo experimental foi feito nos Estados Unidos e isso ajuda a ter uma validação face a outras culturas e contextos sociais, dando mais robustez aos resultados.

 

Identificam dois tipos de perfis – um de pessoas mais “em promoção”, outro de pessoas mais “em prevenção” – mas será que uma mesma pessoa não pode alternar esse tipo de comportamentos ao longo da vida?

Essa é uma boa questão, para a qual a literatura não tem resposta definitiva. A forma como se olha para isto prende‑se com um traço que desenvolvemos desde a infância, com base nas experiências que vamos tendo no nosso meio social. Se tivermos progenitores que nos levam a fazer experiências, a arriscar, provavelmente vamos desenvolver mais motivações de promoção. Se, por outro lado, tivermos progenitores que estão sempre a dizer “não faças isto”, tendemos a interiorizar esta cautela e provavelmente adotaremos motivações de prevenção e estamos mais alerta para possíveis perigos em todo o lado. Mas em determinados contextos podemos adaptar diferentes motivações. É possível que, mesmo uma pessoa “em promoção” se for fazer teste a IST e receber um diagnóstico positivo, poderá restringir o seu comportamento e momentaneamente adotar um comportamento mais preventivo. Mas isto ainda não foi devidamente estudado.

 

Dos resultados obtidos, o que destaca? A partir desta investigação foram feitas recomendações?

Temos diferentes tipos de resultados, mas, de um modo geral, encontrámos que pessoas mais focadas na promoção têm um conhecimento efetivo sobre um maior número de IST – e este conhecimento veio de conversas com pares ou com médicos. Para estas pessoas o uso de preservativo é visto como uma barreira ao prazer, pelo que tendem a não usa‑ lo tão frequentemente. Contudo, o facto das pessoas “em promoção” se colocarem mais em risco leva também a que sejam testadas mais frequentemente a um maior número de IST. Pessoas mais focadas “em prevenção”, por outro lado, já sabem que há muitas IST, indo habitualmente buscar informação a fontes mais académicas, mas tendem a ser testadas menos frequentemente. Este comportamento está provavelmente relacionado com o facto de estarem mais atentas aos possíveis riscos que a atividade sexual poderá ter e usarem preservativo mais frequentemente. Contudo, tendem também a sentir‑se menos sexualmente satisfeitas. Este é um ponto importante que tem de ser trabalhado no futuro, já que as pessoas “em prevenção” estão a proteger a sua saúde, mas estão a perder a sua componente de bem‑estar sexual.


As pessoas têm duas motivações fundamentais para atender às suas necessidades. Algumas estão mais propensas a correr riscos na procura de ganhos, enquanto outras pessoas têm mais propensão para estarem atentas a riscos e a protegerem a sua segurança


 

Não há, pois, um comportamento ‘ideal’?

Há benefícios e consequências em cada um dos modos de funcionamento. Se conseguirmos intervir e desenvolver campanhas de consciencialização, em que damos ferramentas a ambos os tipos de perfis para aumentarem os componentes da sua saúde e bem‑estar sexual, então estaremos a contribuir para melhorar a qualidade de vida de toda a gente.

 

Quais são os outputs do projeto?

Neste projeto temos três artigos científicos publicados 1, dois em revisão e um a ser escrito. O projeto incluía ainda um artigo de divulgação, que está publicado no site da Fundação "la Caixa" 2.
Em todos os estudos temos o cuidado de ver se há diferenças em termos de características demográficas e, independentemente de alguma diferença que possa existir à partida na nossa amostra, os resultados são consistentes. Isso permite‑nos olhar para este fenómeno, de uma forma muito robusta. As conclusões do projeto Prevent2Protect poderão ser muito facilmente usadas em rastreios ou em campanhas de comunicação, no sentido de saber qual é a melhor mensagem para transmitir às pessoas consoante o seu perfil. Por exemplo, para uma pessoa mais focada na prevenção, uma campanha mais focada na procura do prazer poderá não ter tanto impacto por não estar alinhada com as suas motivações fundamentais; mas se a mensagem for “mantem‑ te seguro e procura o prazer”, a mensagem poderá ter mais repercussão.


David Rodrigues 2

 


Há campo de progressão para esta pesquisa?

Gostaríamos de ter campanhas de sensibilização com a mesma mensagem, mas focada nos dois perfis, para que seja abrangente e tenha impacto. É um estudo que ainda temos de fazer e é por aí que estamos a planear o futuro: desenvolver uma intervenção para a melhoria, no sentido do prazer sexual para toda a gente, sempre com a responsabilização pessoal e a integração da utilização do preservativo como prática habitual da sexualidade. Para as pessoas “em prevenção” esta prática é mais comum, mas queremos dar‑lhes ferramentas para obterem mais prazer sexual. Já para as pessoas “em promoção” esta prática não é tão comum, mas queremos dar‑lhes ferramentas para obterem prazer enquanto usam preservativo.
Vários relatórios evidenciam que o uso de preservativo tem decrescido bastante nos últimos anos, incluindo em Portugal e em Espanha, e, ao invés, o número de IST tem disparado no mundo inteiro. Pode ter a ver com o facto de a IST mais temida ser o VIH, que já não tem a carga negativa que tinha há uns anos. Hoje é uma doença que se gere, com o acesso a medicação. Como tal, as pessoas tendem a retirar‑lhe gravidade e consequentemente poderão não sentir tanta necessidade de se proteger. Temos de repensar a forma como falamos sobre IST, sobre o uso do preservativo, e incluir esta necessidade de proteção como parte de uma saúde sexual positiva.

 

Como foi constituída a equipa do Prevent2Protect? E que financiamento o suportou?

Este é um projeto de investigadores do CIS‑I scte: Marília Prada, Margarida Vaz Garrido, Diniz Lopes, eu próprio e ainda a bolseira Ana Catarina Carvalho. Contámos também com a colaboração de investigadores internacionais: Rhonda Nicole Balzarini, da Texas State University e Richard O. de Visser, da Brighton & Sussex Medical School. O projeto foi financiado pela “la Caixa” Foundation – Social Research Call 2020.


1 Artigos publicados em revistas científicas: Prevent2Protect Project: Regulatory Focus Diferences in Sexual Health Knowledge and Practices Condom use beliefs differ according to regulatory focus: A mixed‑methods study in Portugal and Spain Focusing on safety or pleasure determine condom use intentions differently depending on condom availability and STI risk

2 Artigo de divulgação publicado em Observatório Social "la Caixa": Conhecimento para uma saude em seguranca em Portugal e Espanha


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