Notícias

Institucional • 08 mar 2022
Discurso de tomada de posse da Reitora do Iscte

Discurso de tomada de posse como Reitora do Iscte - 8 de Março de 2022



Senhor Presidente do Conselho Geral

Caros membros do Conselho Geral
Senhor Presidente do Conselho de Curadores e demais membros presentes
Distintos convidados
Caros colegas, funcionários e estudantes

Permitam-me uma saudação especial e um agradecimento aos vice-reitores que me acompanharam nos últimos 4 anos e que agora terminam funções: professores Isabel Salavisa, Elizabeth Reis e José Azevedo Rodrigues.

2022. O ano em que inicio um novo mandato como reitora do Iscte.

As iniciativas lançadas nos últimos quatro anos, que justificam a motivação para renovar o compromisso que então assumi como reitora, estão resumidas nos cinco objetivos e nas cinco prioridades que apresentei na minha candidatura.

O primeiro objetivo, e prioridade, é a sustentabilidade financeira do Iscte. O Iscte tem, como todos sabemos, uma história de sucesso. O principal obstáculo ao seu desenvolvimento sustentável reside no financiamento público. A não aplicação da lei de financiamento das instituições de ensino superior, há mais de 10 anos, e a distribuição dos dinheiros públicos sem ter em conta o número de estudantes de cada instituição prejudicam gravemente a sustentabilidade financeira do Iscte, como de todas as universidades e de todos os politécnicos que, desde então, têm aumentado o número de alunos. O Iscte recebe uma dotação pública anual para financiar 5.900 estudantes, quando tem já cerca de 11.000. A prioridade é, portanto, reclamar o cumprimento da lei.

O segundo objetivo, e prioridade, é a promoção da interdisciplinaridade e da internacionalização. Nos últimos quatro anos foi feito um esforço bem-sucedido de reforço das atividades pluridisciplinares e interdisciplinares, bem como de internacionalização. No ensino, com novos cursos e com o alargamento, nos planos de estudo existentes, das possibilidades de escolha, pelos estudantes, de disciplinas optativas em novas áreas. Na investigação, com a criação de entidades que se constituem como espaços de trabalho colaborativo, de afirmação da necessidade e indispensabilidade das ciências sociais e humanas no progresso do conhecimento e das virtualidades do seu cruzamento com as tecnologias de informação. Esta prioridade será concretizada com a conclusão da requalificação do edifício da Avenida das Forças Armadas – Iscte, Conhecimento e Inovação – que acolherá todos os centros e recursos da investigação e da formação doutoral.

O terceiro objetivo, e prioridade, é a melhoria das condições de trabalho. Aqui o verbo é mesmo melhorar. Nos últimos quatro anos foram tomadas muitas decisões que alteraram significativamente as condições de remuneração e de posicionamento na carreira de docentes, investigadores e funcionários. Trata-se de prosseguir esse caminho. A nova prioridade, agora, a urgência, é melhorar as condições físicas e tecnológicas de trabalho e o funcionamento dos serviços.

O quarto objetivo, e prioridade, é a atração, integração e sucesso dos estudantes. Neste domínio, será fundamental proporcionar condições de alojamento em residências que certamente contribuirão para que a experiência de vida na universidade seja mais completa, integrada e autónoma. Um objetivo já presente há quatro anos que condicionamentos externos comprometeram, mas hoje mais próximo de ser realizado devido à alteração daqueles condicionamentos.

Finalmente, o quinto objetivo, e prioridade, é a construção do Iscte-Sintra, a quinta escola do Instituto Universitário de Lisboa. Com este projeto o Iscte responde a um problema político de falha da rede de oferta de ensino superior na Área Metropolitana de Lisboa, no segundo concelho do país em número de residentes e primeiro em número de jovens. E responde com uma oferta formativa inovadora que articula o conhecimento em tecnologias, economia e sociedade.

Estes cinco objetivos constituem parte da motivação para continuar o trabalho iniciado. Porém, a principal motivação para assumir de novo a liderança do Iscte é a de poder contribuir para consolidar a sua afirmação como universidade de referência. E sobre a consolidação do Iscte como universidade de referência, transporto comigo três preocupações – a autonomia, a relevância e a qualidade.

Sobre a autonomia. As universidades são instituições especiais. Têm como missão principal produzir conhecimento, transmiti-lo e difundi-lo. Para que possam cumprir bem a sua missão são necessárias condições organizacionais e de funcionamento. A primeira das condições de funcionamento é a autonomia, quer dizer, um quadro de regras que permita o exercício das atividades de investigação e ensino com liberdade profissional e com pluralismo, favorecendo o debate de ideias, informado e colegial.

A minha preocupação nos últimos quatro anos foi, e continua a ser hoje, dirigir o Iscte como instituição universitária, compaginando, equilibrando, as exigências de uma gestão rigorosa e eficiente dos recursos com a preservação das regras da colegialidade, do trabalho colaborativo, da autonomia e da liberdade de iniciativa de docentes e investigadores. Este equilíbrio é um caminho estreito. Tem de ser percorrido e consolidado. O Iscte não será uma universidade, qualquer universidade não será uma universidade, com possibilidade de cumprir plenamente a sua missão, se não procurar construir e consolidar este difícil quadro de regras internas.

Mas a questão da autonomia coloca-se também na relação das universidades com os poderes públicos, com a tutela, e na forma como são proporcionadas as condições materiais para que estas possam cumprir a sua missão: sejam recursos financeiros e tecnológicos, espaço físico, ou recursos humanos, de docentes e funcionários. A autonomia das universidades, consagrada na Constituição, não pode ser um princípio traduzido apenas nas regras de autogoverno e, ainda assim, de forma insuficiente e permanentemente sufocada no plano orçamental.

A autonomia das universidades tem de permitir a diversidade de modelos e de projetos, nela devem caber as ideias que as universidades possam ter para si próprias e para o desenvolvimento do país. Também aqui há um caminho estreito a percorrer. Porque os tempos são, infelizmente, de uniformização de modelos. Deste ponto de vista, os apoios concedidos às universidades no âmbito do PRR correm o risco de acabarem por ser uma oportunidade perdida. A imposição, pela tutela, de regras conservadoras e protetoras do que existe, contrariando o próprio espírito do PRR, tornou mais estreito e comprometido o espaço de participação das universidades no desenho de soluções para os desafios da recuperação económica e social do país, com autonomia, liberdade e capacidade de inovação.

Sobre a relevância. Há quem diga que as universidades são instituições muito conservadoras, fechadas sobre si próprias, em “torres de marfim”, incapazes de se reformar e de inovar. Esta afirmação é contrariada todos os dias pelos factos. Em Portugal, em democracia, com as exigências da qualidade e qualificação de docentes e investigadores, com articulação entre as atividades de ensino e de investigação, com abertura e integração em contextos territoriais específicos, as universidades contribuíram decisivamente para modernizar o país.

Tem sido minha preocupação nos últimos quatro anos, e continua a ser hoje, dirigir o Iscte promovendo a sua afirmação como universidade sem muros, aberta e comprometida com a resposta aos desafios contemporâneos das desigualdades, da integração e inclusão da diversidade, da transição digital e ambiental.

A abertura, o compromisso, o envolvimento são também um caminho estreito que tem vindo a ser percorrido e consolidado. Mas os tempos exigem não perder de vista que as universidades são um espaço de produção de conhecimento e de pensamento insubmisso, descomprometido, livre, eventualmente inútil do ponto de vista do interesse económico ou político, imediato ou de curto prazo.

Finalmente, a qualidade. Afirmar e consolidar o Iscte como universidade requer que sejamos exigentes, que alinhemos as atividades, os procedimentos e a ambição por padrões internacionais. Fazer bem, fazer sempre melhor o ensino, a investigação e a difusão de conhecimento. Difusão que tem muitas modalidades mas que passa, prioritariamente, pela formação, todos os anos, de jovens e adultos mais qualificados, com mais saberes e mais competências, os quais, plenamente mobilizados, podem contribuir muito para o desenvolvimento da sociedade portuguesa. A melhor contribuição que as universidades podem dar às sociedades é cumprirem bem, com qualidade, a sua missão de educação e investigação. Por isso, produzir e transferir mais e melhor conhecimento exige a aplicação de rigorosos mecanismos de avaliação, não apenas quantitativa, das atividades e projetos de ensino e de investigação. Exigências que o Iscte aceita e incorpora na sua vida académica.

Na voragem dos dias de hoje, com a pressão para a resolução rápida de problemas, assistimos a uma certa impaciência, a visões simplistas, do que é a especificidade das universidades como instituições de produção de conhecimento, que ora a desvalorizam ora lhe colocam desafios desajustados. A essa voragem não cederemos.

Assumi comigo mesmo, e agora com a instituição que dirijo, a responsabilidade de demonstrar que é possível e desejável preservar a autonomia, a relevância e a qualidade das atividades desenvolvidas no Iscte, e dessa forma consolidar a sua posição de universidade de referência.

2022. O ano em que o Iscte comemora 50 anos de existência.

O Iscte foi criado em 1972, no âmbito de uma reforma do ensino superior com a missão expressa de contribuir para a modernização das universidades e do país, através da diversificação das formações, da articulação entre ensino e investigação e da valorização das relações com o mundo do trabalho, das empresas e das instituições públicas.

Nos anos seguintes, foram criadas novas universidades e institutos politécnicos. O 25 de Abril renovou o sentido da reforma tornando mais explícitos os objetivos de expansão e diversificação do ensino superior. As mudanças introduzidas com a democracia foram profundas e não se resumiram à criação de novas instituições.

Certo é que, hoje, 50 anos volvidos sobre a criação da primeira das novas instituições, podemos concluir que as entidades de ensino superior, novas e antigas, fizeram o caminho da reforma e, como já referi, desempenharam um papel decisivo na modernização do país. Formaram-se milhares de médicos, engenheiros, juristas, gestores, professores e outros diplomados que qualificam as instituições onde exercem a sua profissão. Formaram-se milhares de investigadores que integram o sistema científico e tecnológico do país produzindo-se mais e melhor conhecimento científico. E, repito porque nunca é demais lembrar, a formação, todos os anos, de jovens e adultos mais qualificados, com mais saberes e mais competências, é um contributo fundamental das universidades para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.

Hoje, o pior obstáculo à relação virtuosa entre desenvolvimento da universidade e desenvolvimento do país é a ideia de que tudo está feito. A ideia de que todos os objetivos foram já alcançados: já temos a geração mais qualificada, já aumentámos o número de alunos no ensino superior, já produzimos conhecimento, agora só precisamos de o aplicar e de inovar. Nada podia ser mais errado.

O futuro é muito exigente. Novos desafios requerem novas políticas de ciência, inovação e ensino superior verdadeiramente articuladas, que estimulem o trabalho colaborativo e pluridisciplinar, que removam espartilhos técnico-burocráticos e que assegurem, em vez de bloquearem, a autonomia e a capacidade de inovação das universidades. Continuar a modernizar o país exige, pois, que se renove o espírito reformista de há 50 anos.

Foi com o objetivo de lançar um debate mais amplo, sobre o futuro das universidades que convidei o professor António Feijó, professor da Universidade de Lisboa, para fazer uma conferência, acrescentando a esta cerimónia protocolar um novo sentido. E esperando que possa ser o início de uma ampla reflexão. Aproveito para agradecer a disponibilidade e generosidade do professor António Feijó.

2022 é o ano de início de um novo mandato.
2022 é o ano em que comemoramos os 50 anos do Iscte.
2022 pode ser o ano de retoma de uma orientação reformista para as universidades.

2022, infelizmente, ficará para a história sobretudo como o ano do início de uma guerra na Europa.

Apesar da paz que reina neste auditório, o sentimento generalizado é o de que estão de novo em risco valores universais da democracia, da liberdade, da paz e do respeito pela dignidade humana. Há um país que assume as responsabilidades de resistir, qual escudo protetor daqueles valores, pagando sozinho o enorme custo da destruição e da perda de vidas de homens, mulheres e crianças. Para os nossos amigos ucranianos, uma palavra final de solidariedade. E a afirmação da disponibilidade do Iscte, acompanhando o CRUP e todas as universidades, para integrar estudantes, professores e outros ucranianos que cheguem ao nosso país.

Muito obrigada.

Voltar ao topo